quinta-feira, 22 de novembro de 2012
O HOMEM QUE DEUS IGNOROU
Aleijadinho quando estava trabalhando não gostava de ser interrompido por ninguém, exceto pelos poetas, pintores e músicos, segundo o gênio, Gente de bem que não visa dinheiro e sim, a arte, a coisa mais sublime na Terra, mais próxima de Deus. Quando aparecia um chefe de uma irmandade religiosa que comumente lhe pagava pelo serviço, Francisco Lisboa tornava-se rabugento e resmungava o tempo todo, sabia o mestre que essa gente ia lá para bisbilhotar o seu trabalho, atitude que ele achava desrespeitosa para com um mestre como ele, sua modéstia era medida da entrada do átrio da igreja até a nave central culminando com o altar-mor, esta distância era o seu domínio sagrado de sua obra, não admitia opinião de ninguém, sabia melhor do que ninguém fazer a única coisa que ele dominava com maestria, ou seja, a escultura.
Aleijadinho tinha uma equipe e ninguém fazia nada sem a ordem dele, tudo ele fiscalizava e se tivesse algo fora do seu gosto mandava o escravo consertar imediatamente e para essas coisas não tinha hora, mesmo depois que a sua cegueira piorou de vez, seus dedos já carcomidos pela doença se transformaram em olhos que não deixavam nada de errado passar.
Assim viveu este homem muitos anos como se tivesse pagando um enorme pecado cometido em vidas anteriores, coisas que ele não acreditava, acredito até que nem nos anjos e nem nos demônios que ele criou, também. Todavia o homem todo deformado e cego foi até o fim da vida criando seu mundo de pedras que mais pareciam um fardo enorme a carregar nas costas já deterioradas pelo tempo.
Suas dores eram terríveis, constantemente tinha que passar água gelada nos braços e nas mãos para prosseguir no trabalho de embelezamento do templo de Deus, entidade essa que parecia ignorá-lo o tempo todo, em momento algum Deus teve compaixão para com ele, eu presumo até que Aleijadinho não acreditava nele, era ateu, mas precisava do ouro das irmandades para se manter vivo, até porque Vila Rica já não era tão rica assim como outrora, como nos bons tempos em que ele [Aleijadinho] era ainda muito jovem.
Anibal Werneck de Freitas.
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