DE COMO UMA FIGUEIRA SITUADA ENTRE CONCEIÇÃO E RECREIO SE TORNOU MAL ASSOMBRADA.
Zé canário e tonhão eram dois arqui inimigos, um não podia ver o outro, ninguém sabia o motivo de tamanha rixa, algo muito sério devia ter acontecido entre ambos, uns arriscavam, Foi uma demarcação litigiosa de terras. Outros, O sumiço inexplicável de três vacas do tonhão, culpando o zé canário, que era um homem bom, muito tranquilo, simpático com todo mundo, pai de família exemplar, e que gostava de andar com o seu canário na gaiola pra tudo quanto era lado. Já o tonhão, era gente boa, também, porém muito ranzinza, não cumprimentava ninguém, era calado, trabalhador e nunca se casou, sabe lá porquê. A única coisa comum entre os dois era uma cachacinha no botequim do pedro da maria, aos domingos, depois da missa matinal, celebrada pelo padre idelfonso, aquele de, os anjos todos os anjos. Pois bem, tanto o zé canário, quanto o tonhão, ambos eram católicos praticantes e ajudavam muito a igreja. Certa vez, o padre idelfonso precisou arrumar o telhado do templo de deus, e os que deram mais dinheiro pra consertá-lo, foram eles. Deste modo, tudo corria bem na vila, até que um dia, zé canário e tonhão se estranharam no boteco do pedro da maria, através de um terrível bate boca. Os dois tinham bebido além da conta e assim, começaram a trocar insultos, se atracando numa briga até na rua, chamando a atenção de quem passava. Se não fosse a polícia, naquele tempo conceição tinha uma delegacia, a luta poderia acabar em morte, no entanto, mesmo sendo apartados, continuavam trocando farpas, e foi nesse momento, que tonhão o ameaçou, Preste bem a atenção, zé canário, vou matar você, a sua mulher e os seus filhos!. Em se tratando do zé canário, que nunca levou desaforo pra casa, nesse ínterim, incrivelmente, perdeu a língua, baixou a cabeça e foi embora pra casa. Ninguém acreditava no que via, um dos que estavam perto comentou, Nunca vi o zé assim, isso não é nada bom, tenho um pressentimento muito ruim. No dia seguinte, tonhão, já completamente sóbrio, nem lembrava mais da ameaça que fez ao rival, arriou o seu cavalo e partiu a negócio pra uma vila, distante 5 quilômetros, chamada recreio, que estava crescendo muito, devido à estrada de ferro, the leopoldina railway company limitade, implantada pelos ingleses. A estrada entre conceição e recreio cortava uma imensa mata, mais conhecida naquele tempo como capoeira, e tinha no meio do caminho, uma enorme e frondosa figueira, formando assim um ambiente que atiçava muito medo nas pessoas. Pois bem, zé canário acordou praticamente sóbrio, mas com a ofensa do algoz lhe atormentando as ideias, tomou o café matinal com a sua mulher, dona maroca e os filhos, tãozinho, chiquinho e mariinha, e, logo em seguida, chamou a esposa na sala e disse, Feche as portas e as janelas, porque eu vou sair pra caçar. Mas porque fechar a casa toda?, Não é nada não, faça o que estou mandando!. E assim, beijando a companheira, pegou a espingarda, o chapéu, e saiu. Nesse dia, o assunto, em conceição, foi um só, a briga e a ameaça, ninguém falava em outra coisa. Pois é, à noitinha, zé canário voltou pra casa, trazendo uma paca pro jantar, seu rosto parecia pesaroso e desta maneira, tomou um banho, e de barriga cheia, foi dormir. Na manhã seguinte, um cavaleiro ofegante e muito nervoso, vindo de recreio, chegou gritando, Mataram o tonhão, mataram o tonhão!!!, indo direto pra delegacia, onde contou tudo o que viu, Delegado, você conhece bem aquela grande figueira, pois é, vindo de recreio, eu vi um corpo caído no chão perto dela, cheguei pra averiguar quem era, e deparei-me com o compadre tonhão, mortinho da silva, com um tiro no coração. Enquanto falava, o povo muito assustado, foi se aglomerando no lado de fora da delegacia, afim de saber melhor o que tinha acontecido. Na verdade, inimigo é que não faltava pro tonhão, no entanto, o número 1 era o zé canário, que foi logo chamado na delegacia, várias vezes, pra depor. Calmo, como de sempre, negava o crime, dizendo sempre a mesma coisa, Seu delegado, eu não matei ninguém. E o delegado sempre batendo na mesma tecla, O seu vizinho bastião me disse que viu você trancando a família em casa, e saindo com uma espingarda à tardinha. Enfim, o tempo passou e o caso foi dado por encerrado, pois não havia nenhuma prova. Autor ou não do assassinato, zé canário continuou a sua vidinha e o crime acabou caindo no esquecimento. Como a paz dura menos que a guerra, numa noite com a lua cheia pairando sobre a torre da igreja de nossa senhora da conceição, um homem a cavalo, correndo muito, brotou da escuridão, vindo de recreio, acordando todo mundo com os seus berros, até na pracinha da capelinha, Eu vi uma assombração na figueira, eu vi uma assombração na figueira!!!. Desta maneira, parou o corcel na frente do botequim do pedro, pra tomar uma pinga pra se acalmar, e, como num passe de mágica, de repente o recinto encheu de gente, e o assustado homem, anacleto era o seu nome, mais tranquilo, começou a contar, Eu estava vindo de recreio, a lua estava clareando bem a estrada, de repente surgiu uma luz no fundo da capoeira me seguindo, confesso que fiquei com muito medo, agora, quando ela se adiantou e parou na figueira, me deu a impressão de que estava me esperando e estava mesmo, tanto assim que nesse exato momento, algo pulou no meu cavalo atrás de mim, cheguei a sentir o contato e até ouvir a respiração da coisa, e como se não bastasse, o fantasma com uma voz chorosa, começou a se lamentar, Foi o zé que me matou, foi o zé que me matou!, totalmente horrorizado, meti a espora no meu cavalo e aqui estou, tremendo que nem vara verde. Acontece que hoje nem tanto, mas antigamente as pessoas acreditavam muito em assombração,tanto assim
que o delegado aceitou o depoimento do morto e mandou prender o zé canário, daí
pra frente não se sabe ao certo se ele foi julgado e condenado.
NOTA: Na minha infância, eu ouvia muitas histórias do meu pai e dos incontáveis parentesde conceição, sei que a maioria era inventada, o que me dá a liberdade de inventar mais ainda, também. Na verdade, antes da escrita, todos os povos passavam seus conhecimentos para as gerações seguintes, contando e cantando histórias.
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