certa feita, fui obrigado a levar minha esposa ao médico, em juiz de fora, e lá, durante a consulta, um doutor já idoso, cujo nome não vou revelar, me contou esta história: 'quando me formei médico, ainda muito jovem, resolvi trabalhar em guidoval, uma cidadezinha no interior do nosso estado de minas gerais, onde, rapidamente, fiz muitas amizades, inclusive com o manda chuva do lugar, o capitão ernesto, homem muito bom, mas só não podia ser contrariado, virava uma fera e, coitado daquele que se atrevesse enfrentá-lo, porque tudo tinha que ser feito do seu modo. sua fazenda era constantemente visitada pelos agricultores mais carentes, e ele nunca deixou de ajudá-los. uma vez, um casal com o filho muito doente, bateu na sua porta, em plena madrugada, e assim, imediatamente, o capitão pegou o seu ford, e os levou até a minha casa, e, graças a ele, a criança foi salva. portando, era assim o dia a dia deste poderoso fazendeiro, na política não tinha igual, raramente um candidato apoiado por ele, prefeito ou vereador, perdia a eleição, e, do contrário, dava sempre o seu troco, doa em quem doer, pois era muito severo, até com a esposa e filhos, todos tinham que seguir a sua cartilha. veja bem, até o páraco padilha, contrariando o bispo, fazia o que ele queria, e, as missas na capela do seu casarão tinha que ser celebrada em português, porque o latim não era a língua da sua gente, as brigas entre ele e a diocese foram tantas, que a igreja resolveu fazer vista grossa, pra evitar maiores conflitos. pois bem, acontece que numa certa ocasião, o padre padilha foi chamado pra participar dum seminário paroquiano, durante 15 dias, e, no seu lugar, veio um jovem sacerdote desavisado, e não deu outra, ao começar a missa na fazenda: 'introibo ad altare dei'. foi logo interrompido pelo capitão ernesto, com a sua peculiar educação: 'pode parar seu padre, pode parar!, aqui a missa tem que ser em português, do contrário, pode voltar pra sua casa paroquial!'. o surpreso ministro de deus, retrucou: 'seu ernesto, eu não posso celebrar a missa em português, são ordens do vaticano'. já raivoso, o capitão foi taxativo: 'estas ordens podem ser pra você, mas pra mim não!, aqui a missa tem que ser em português!'. e assim, pra evitar mais problemas, a missa foi em português. desta maneira, o tempo foi passando sob os seus mandos e desmandos, e, devido a isso, as pessoas foram cansando, e passando pro lado da oposição, que crescia a olhos vistos. com o advento das eleições, a situação política abalou a cidade de guidoval, porque o resultado elegeu pra prefeito, o seu rival, joão marcolino, um comerciante muito querido. revoltado com a derrota nas urnas, o capitão ernesto, meu amigo confidente, me disse que o novo prefeito não iria tomar posse no dia estipulado pelo colégio eleitoral, me pedindo sigilo. confesso que não acreditei que faria isso. dito e feito, no dia da posse do prefeito e dos vereadores, a cidade acordou em festa, com a banda tocando, crianças correndo entre as barraquinhas de salgados e doces, e no céu os fogos de artifícios pipocando. enquanto isso, o prefeito eleito e a família, no saguão da prefeitura, esperavam pelos vereadores, porque sem eles não poderia tomar posse. assim, as horas foram passando e nada deles, como estava demorando muito, as pessoas começaram a se preocupar, a banda parou de tocar, a criançada parou de correr, os foguetes pararam de subir, e um silêncio sepulcral invadiu a praça. vendo tudo isso acontecendo, lembrei-me das palavras do capitão, peguei o meu jipe e fui direto pra sua fazenda. lá, sentado numa cadeira de balanço na varanda, fumando seu cachimbo, parecia que estava me esperando e, antes que eu abrisse a boca, mandou-me entrar sozinho no casarão, obedeci e, à medida que eu penetrava a casa grande, comecei a ouvir, cada vez mais forte, pessoas rindo, cantando e falando alto, e, desta maneira, no último cômodo, fiquei estarrecido, quando vi os vereadores eleitos, bebendo e comendo à vontade, num verdadeiro banquete, digno de um rei, os homens estavam tão bêbados, que não aguentavam ficar em pé, e desta forma, a posse do prefeito, joão marcolino, não aconteceu no dia estipulado, o capitão ernesto cumprira a sua palavra.FONTE: quem me contou esta história, foi o próprio médico (in memoriam), que a vivenciou.
anibal werneck de freitas, 02.06.2021
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