(Pedro Dorigo)
“...Violinos enchiam o ar de emoções/ E de desejos uma centena de corações...”
(Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda, de Lamartine Babo-Francisco Matoso, 1941)
Certamente na história recreiense houve outros violinistas. Mas, contudo, na comunidade, nunca nenhum teve o significado poético, a importância cultural e a presença musical longeva de Arcelino de Oliveira Simão, o querido amigo Celino. Esta é a razão principal por que usei o artigo definido no título desta crônica. Nenhum outro violinista recreiense foi mais marcante que Celino e, creio, por muitos anos será considerado o músico símbolo de nossa comunidade. O som do seu singelo violino se perpetuará sublime em nos ouvidos recreienses, pairando sobre a memória de muitas pessoas que conviveram com ele grandes momentos musicais: nas apresentações da Sociedade Lyra 1º de Maio, nos bailes onde atuavam os conjuntos Recreio Jazz e Jura Jazz, nas serenatas e cantatas (como ele gostava de se referir), na Igreja, harmonizando e solando para pavimentar uma sonora estrada, onde passeava a bela voz da Niva e nas reuniões festivas do Lions Club de Recreio. Celino, que também tocou em bailes carnavalescos, emprestava sempre o seu talento, para todos os momentos festivos em que era requisitado. Como se não bastassem a ternura e o afago de seu violino, seu sorriso era de uma envolvente aura de simplicidade, carinho e generosidade. Estava sempre disposto a dedicar o seu tempo também para uma boa prosa, especialmente se o assunto permeasse a música e a história de Recreio.
Celino começou sua história musical ainda adolescente, pelas mãos do mais importante maestro de Recreio, José Lucas, que o introduziu no mundo harmônico das bandas marciais e dos conjuntos de baile. Seu primeiro instrumento foi o bombardino, aprendizado iniciado na Sociedade Lyra 1º de Maio, ao lado de dois outros contemporâneos e amigos mais próximos Jair Lobo e Francisco Loçasso. Eu tenho uma foto, dentre várias que me foram generosamente cedidas por ele, para reprodução, em que os três (e mais outros) aparecem com o bombardino nas mãos. Nessa foto ele deveria ter aproximadamente 10 anos. Mais tarde colocou mais suavidade em seu sopro, assumindo o saxofone, que o levou, em meados da década de 1930, após demonstrar o seu talento na Lyra, para o conjunto Recreio Jazz, juntamente com outros destacados músicos, contemporâneos da Sociedade Musical Lyra 1º de Maio, sob a batuta do mesmo maestro da banda.
Com o saxofone participou de diferentes formações de conjuntos musicais, para fazer muitos bailes em Recreio, inclusive os famigerados bailes carnavalescos. Fez parte da banda do Club dos Lordes, que se rivalizava com o Club dos Baetas, nos carnavais da década de 1930. Passou a tocar violino em decorrência de uma doença pulmonar grave, na década de 1930/1940, deixando o saxofone, por recomendações médicas, para não sobrecarregar os pulmões debilitados. Não conheci sua performance no saxofone, mas, pelo ouvido apurado que sempre demonstrou, não deveria ser menos competente que no violino.
Ao Celino devo minha motivação para promover o levantamento de imagens da história recreiense, especialmente as fotografias. Para iniciar o meu acervo, hoje bastante significativo, emprestou-me várias fotos da Lyra 1º de Maio e de times de futebol da cidade, antes da criação do Recreio E. Clube, do qual foi um dos fundadores e membro da primeira diretoria. Era um entusiasta e apaixonado pelo futebol recreiense, além de um ardoroso torcedor da sempre pequena torcida do América do Rio de Janeiro. Era ele, Lamartine Babo e mais alguns.
O velório foi no prédio da Associação Comercial de Recreio, hoje pertencente ao Lions Club, do qual foi também Presidente. Mais uma marca de sua intensa participação social e cultural na nossa comunidade. Dali saiu o cortejo para o seu enterro no cemitério local, sob uma atmosfera de melancólica, intensificada pelo o som de um solo de violino. Conversando com o Aníbal, nosso Editor-Chefe, soube que a gravação ecoante do carro de propaganda do Linguinha era do próprio Celino, que a fizera com o acompanhamento dele há alguns anos, quando o envelhecimento ainda não lhe havia privado de sua capacidade de solista. Certamente, Celino, naquela época, não teria imaginado que a sua própria gravação seria a trilha sonora de sua despedida. Um violino entristecido pela separação irrevogável de seu parceiro de inúmeras apresentações. Um choroso violino, levando Celino ao encontro de seus antigos amigos da Lyra e ao seu maestro-professor, para aumentar o brilho da orquestra celestial.
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