quinta-feira, 10 de março de 2011

A ÁRVORE SAGRADA (Aníbal Werneck de Freitas)



   A subida íngreme levava até ao topo do morro uma trilha forjada pela gente do lugar, o mato espesso viabilizava sulcos intermitentes que retardavam a caminhada até uma árvore no cimo, uma árvore pequena e solitária, que quando contrastava com o por do sol, liberava um cenário bíblico, os raios da estrela-mor atingiam-na por detrás e se abriam como um leque em volta da sua copa. Um capricho explicável da mãe natureza.
   Pois bem, o caso aqui envolve esta árvore, que era considerada uma Árvore Sagrada. Quando as pessoas se miravam nela, paravam seus afazeres, se ajoelhavam e rezavam entoando cânticos de louvor. Os mais velhos diziam ser esta árvore uma réplica da do Paraíso, a proibida, a árvore de Deus que foi desrespeitada por Adão e Eva.
   Ontem eu saboreei o fruto da Árvore Sagrada e constatei um sabor amargo insuportável, mesmo assim consegui comer mais da metade, confessou Expedito para o dono da venda, Seu Antônio, que lhe servia uma branquinha, Você é doido, não faça mais isso não, poderá ser castigado, censurou. O silêncio cobriu o momento, Expedito virou a bendita pela goela abaixo e, Eu não acredito nessas coisas não, é tudo da cabeça do povo, qualquer dia desses vou acabar com esta palhaçada, Deixa disso homem, não brinque com coisa séria, lá de cima Ele vê tudo cá embaixo, Que nada, até porque Ele nunca existiu, Agora você pegou pesado, ainda bem que sou seu amigo e somos os únicos aqui na venda, tome cuidado com o que diz, este lugar é por demais carola, se as beatas ouvirem isso, vão bater no ouvido do padre e aí..., Aí o quê, eu sou livre e tenho o direito de achar o que eu acho, assim como elas pensam que esta árvore é sagrada, eu penso o contrário. Já bastante nervoso, Expedito foi até ao passeio da venda e voltou, E tem mais, companheiro, vou lá fora de novo e gritar tudo isso que lhe falei em alto e bom tom, põe mais uma. Com as mãos trêmulas, Seu Antônio pôs outra dose da mardita, Não amigo, isso eu não vou permitir na frente do meu estabelecimento, assim você vai acabar com o meu negócio, pense direitinho, não faça isso não, olha, você nem precisa pagar o que já bebeu, pelo amor de Deus, não faça isso não. Expedito olhou no olho do suplicante homem e viu que ele estava muito assustado, Se aquiete, não vou mais fazer isso não, tive uma ideia melhor, Mas, como assim, Amanhã você verá e, por favor, coloque a saidera, já está ficando tarde. Enquanto virava o copo derradeiro, Seu Antônio o alertou, como se adivinhasse o que estava para acontecer, Vê se cure desta bebedeira pra não fazer nenhuma besteira, todo mundo diz a mesma coisa, o desrespeito para com esta árvore certamente se transformará numa maldição muito grande pra você, sem falar no nosso lugarejo que poderá ser varrido do mapa pela mão de Senhor, E você acredita nessas coisas, Acredito, Este é o grande problema da humanidade, a facilidade em acreditar nas coisas irracionais, é simplesmente assustadora, até quando, estamos em pleno século 21, faça-me o favor, não quero mais ouvir nada, pra mim chega. Assim, cambaleando, Expedito pegou dois litros da distinta, pagou a conta e vazou direto e torto pela porta da frente, sumindo na rua deserta já meio escura pela noite que chegava. No alto da colina, a Árvore Sagrada ainda se delineava sob os últimos raios do sol. Seu Antônio fechou o bar e foi dormir, a noite lá fora seguiu seu curso como de sempre.
   No dia seguinte, a vila estava em polvorosa. A balbúrdia era geral, todo mundo olhava para o morro e não via a Árvore Sagrada. Como loucos, todos correram morro acima para ver o que tinha acontecido e assim, viram o Expedito abraçado no machado junto ao peito, com um sorriso nos lábios, morto, talvez pela mistura do fruto proibido com a cachaça, encima da árvore tombada. Ao vê-lo deste modo, o silêncio na turba foi sepulcral, Estão vendo o que acontece com quem desafia Deus, gritou um, no meio da multidão que se aglomerava em volta do cadáver, Vamos rezar e pedir perdão a Deus pelo que este infeliz fez, vociferou outro. Todos se ajoelharam e temerosos, esperaram pelo pior, ou seja, o aniquilamento total, mas nada aconteceu.
   Quatro missas foram rezadas em louvor ao Senhor e, também, pedindo perdão a Ele, duas pela manhã, na matriz  e duas à tardinha na capelinha.
   O Expedito foi enterrado fora do cemitério, foi sepultado porque não convinha ao nariz de ninguém, um cadáver exposto à putrefação, o jeito era enterrá-lo e o coveiro cuidou disso. Quanto ao povo, este ficou esperando pelo dia seguinte. Segundo o padre no sermão, Deus não perdoaria tal afronta, o povoado não seria poupado no dia seguinte.
   Ninguém conseguiu dormir, a vigília varou noite adentro, muitas rezas foram rezadas e finalmente o sol chegou, todos olharam para o céu, esperando pelo pior, no entanto, este, estava mais azul que o de costume, até o canto dos galos parecia mais bonito, os passarinhos saindo das árvores em busca do sustento faziam uma avoaçada nunca visto igual, a natureza parecia transbordar de alegria e, como era de se esperar, Deus seja louvado, Ele nos perdoou, todos exclamavam em uníssono e, depois de um bom tempo de louvação, a alegria de não terem perdido a pele sobrepujou à perda da Árvore Sagrada e tudo voltou ao normal.
   No entanto, só uma coisa intrigava a todos, a venda do Seu Antônio estava com as portas fechadas, logo ele, que tinha o hábito de madrugar no seu ofício, acharam bastante estranho, chamaram então o Pedrinho, acostumado a ajudar sempre o Seu Antônio, para averiguar o que tinha ocorrido. O menino entrou pela janela quebrada dos fundos e, do lado de fora, todos ansiavam pela volta dele. Minutos infinitos depois, retornou dizendo que a casa estava completamente vazia. Ninguém percebera a mudança do Seu Antônio, a euforia embebedara a todos, apenas um bilhete na mão do garoto chamava a atenção agora, Que bilhete é este, perguntou o padre que estava liderando a multidão e, num piscar de olhos, pegou a missiva, parou por uns segundos também infinitos e leu em voz alta pra todo mundo ouvir: Minha gente, o Expedito tinha razão, Antônio da venda. Um silêncio fez-se ouvir, ninguém entendeu a atitude do Seu Antônio, nem o padre.   


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