Minha avó Luíza acordava às seis da manhã pra assistir a Missa das Sete, minha tia Cidinha trabalhava no escritório da Casa Paroquial, e dava aulas de Catecismo, quanto ao meu pai Antônio Hygino, abria cedo o seu estabelecimento pra comprar pão do Antônio, o Padeiro que meu pai, carinhosamente, chamava de Mão Leve, porque não tinha um dos dedos. enquanto minha mãe Wanda na cozinha fazia os doces pra expor na vitrine do balcão. Meus irmãos e eu acordávamos cedo pra mais um dia, e na Rua Conceição as primeiras pessoas já começavam a perambular, e a criançada começava a brotar das casas: José Heleno e Geraldinho da Dona Íris, Wellington da Dona Geralda, Geraldino da Dona Filinha, José Dilton da Dona Conceição, Solimar da Dona Stela, Pedro Ernesto, Liga e Neco da Dona Edir, Zé Firmino da Dona Eny, Cirilo da Dona Armerinda e outros. Os campinhos, as brigas, os piques de esconder, o jogo de bilosca, e os objetos como: peão, carrapeta, atiradeira, manivela de papagaio, cavalo-de-pau... Certa feita, brincando de Velho Oeste com a minha irmã Janine, dei-lhe um tiro de mentira, e ela caiu fingindo de morta tão bem, que acabou dormindo no chão, brincávamos tanto de Faroeste, que o meu irmão Marquinho era chamado pela garotada de Tim Mac Coy. O Turibinha da Dona Nizinha e eu tínhamos o costume de dar um cabo de vassoura pro meu irmãozinho Antônio Carlos, pra ele bater na gente sem dó, o medo de levar uma cacetada era prazeroso. Como de sempre, eu não parava em casa, estava sempre dando trabalho pra minha mãe, pegando barro na cerâmica pra fazer hominho, cavalinho e trem-de-ferro. O único meio de comunicação sonora era o Rádio, naquela época as mulheres já eram apaixonadas por novelas. Na música, o sucesso era dividido entre Ângela Maria, Nelson Gonçalves e Luiz Gonzaga. A luz elétrica era tão fraca que quando chovia apagava o tempo todo, e, pra não ficar no escuro, meu pai acendia vela, lamparina, lampião..., e, quando a energia voltava, era uma gritaria geral na cidade. Na igreja o Padre Celso desenrolava a Via Sacra com maestria, fazendo chorar as mulheres, e, no mês de maio, os anjinhos saíam da casa da Dona Rosa pra coroar na igreja a Virgem Maria sob o explodir de foguetes, enquanto Celino no violino, Dona Líbia na harmônia e Niva na voz faziam um maravilhoso fundo musical. No campo de futebol as partidas terminavam geralmente em pancadaria, principalmente quando era Recreio x Ribeiro Junqueira. No cinema, tabuletas enormes exibiam os artista dos filmes em vigor, o tema Western era o mais exibido, a película cinematográfica era passada pelo Walter Chaminé e o Seu Marçal cuidava da bilheteria. Tony Curtis, Tyrone Power, Victor Marture, Cary Grant, Bette Davis, James Stewart, Marlon Brando, Fred Astaire, Greta Garbo, Ingrid Bergman, Henry Fonda, Clark Gable, Elizabeth Taylor, Gary Cooper, Grace Kelly, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Sophia Loren, Sidney Poitier, Ava Gardner e muitos outros atores estadunidenses mostrando os rostos intrépidos nas fotografias de alta-qualidade das tabuletas do Cine Eldorado, eles eram tão conhecidos como os artistas da Globo hoje em dia. Zezé Macedo, Oscarito, Anquito, Grande Otelo e Mazaroppi se destacavam no elenco das comédias brasileiras. Já ia me esquecendo, o Gordo e o Magro arrebatavam a criançada numa gargalhada só. Quando chegava o Circo na cidade era um alvoroço total, no picadeiro: trapezistas, contorcionistas, palhaços: Pinga Fogo e Espalha Brasa, o toureiro Testa de Ferro, a Mascotinha, delírio da molecada..., enfim, tudo era muito divertido. Como era gostoso o dia do Natal com o Presépio na igreja, e a garotada cheia de brinquedos, pena que não posso dizer a mesma coisa em relação às crianças pobres, e, não poderia deixar de relatar também que o negro nesta época era barrado na entrada do Baile da Associação Comercial de Recreio. Todavia, mesmo assim foi um tempo bom, creio que pra todos nós.
Anibal Werneck de Freitas, 2022
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